3 de agosto de 2006

Escravos de Farda


Estou há algum tempo sem postar aqui, mais talvez por naum ter muito tempo disponível...minha vida se conturbou nesses últimos dias: estou prestes a virar um escravo de farda.
Foi mais ou menos assim...

Segunda-Feira, 31 de julho, Manhã, 6:30, 5 graus

Um frio avassalador corrói minhas entranhas. O sol ainda se esconde em seu berço apaziguador. A noite paira como uma sombra sobre nossas cabeças fazendo-nos tremer. É o dia da tal apresentação pro exército. Fui de encontro ao Fabricio e o encontrei em sua casa preparando-se para o dia mais frio do ano. Teria campo no exército. Se preparava para a tortura diária que se apresentava sua rotina. Mais até que uma esperança animadora dominava meu coração. Me livrar do exército foi um dos asuntos mais dominantes em meu cérebro e um dia antes recebi a noticia do Fabricio de que seu irmão me livraria dessa imposição. Ah... pensei eu...como a semana pode começar bem...
Encaminhando-se para o local marcado para o exame, o quartel, as mãos tremiam, estavam duras, os dedos doiam, mal conseguiam segurar o cigarro. Ao portão, me coloquei entre os outros que esperavam. Todos tremiam. Sete e alguma coisa, nos levaram para um galpão, longe de todos, com lonas espalhadas por suas laterais com o vento soprando por entre seus rasgos e remendos. Camuflagens, todas minadas de buracos, espreitavam nossas costas fazendo-nos sentir cada vez mais frio. Dentro, havia bancos espalhados em três colunas desalinhadas que tinham duas madeiras atravessadas servindo de escora, o que fazia minhas costas gritarem de dor. A frente, havia uma televisão e um video-cassete que um soldado prontamente pôs a funcionar fazendo-nos sentir sono com os vídeos ilusores do exército. Olhando á frente podiamos ver a entrada de uma salinha onde recrutas, soldados, cabos, sargentos...todos desfilavam de um lado para o outro com orgulho nos olhos e dedicação nos dentes arreganhados, rindo de nossas caras friolentas e medrosas, usavam farda e boina para identificarem-se entre eles mesmos indicando que estavam trabalhando no alistamento. Aos poucos o frio já começava á dominar a mente, é incrível a sensação de não poder lutar contra isso, se sentimos totalmente imobilizados pela terrível inanição. Os escravos, quer dizer, os soldados passavam com suas térmicas cheias da mais pura água quente para o chimarrão, se enchiam de glória com suas cuias á frente, e com longos goles escaldantes da mais incrível (para meus olhos, naquele momento, toda bebida capaz de esquentar meus ossos se tornava "
incrível") cuia de chimarrão. E começaram a chamar, um à um, para dentro daquela salinha. Lentamente os ‘‘recrutas’’ iam e voltavam daquela salinha. O sargento (ou soldado, como saber?) ia chamando o nome de cada um pelo certificado de alistamento que tinha em mãos.
Me chamaram. O coração parou. O cérebro demorou á responder. E agora? vou ou não vou servir? o irmão do Fabricio estaria ali dentro como ele havia dito? me livraria desse peso que se amontoava em meus ombros? Oh...sim...seria um grande alívio para meu coração tão enegrecido pelas trevas da vida...
Mas...nada foi como pensei....o esperado ‘‘irmão da salvação’’ não estava lá. Sentei de frente para um oficial. Tinha uma carranca já abatida pelos anos (talvez muitos) já prestados ao exército, tinha um sotaque fortemente carioca. - Deve ter sido transferido. Pensei. Me fez perguntas já automáticas, com um leve tom de impaciência por estar repetindo pela milésima vez o mesmo texto, me pediu documentos, e mandou ir sentar novamente, e aguardar pelo novo chamado. - Filho da Puta!!. Gritei dentro de mim. Que ódio que eu senti naquele momento. Vontade estúpida de puxar uma arma de um oficial qualquer e estorar os miolos de qualquer merda de verde que se prostasse em minha frente.
Voltei para o frio, para o banco com escora que doía as costas, para a imobilidade mental que todos parecem estar. - Caralho! - pensei. - O que que parece isso aqui? Um bando de caras com um chachá de identificação pendurado no pescoço que mau saíram da adolescência (ou nem saíram ainda) congelando de frio, parecendo um bando de bois retardados, que serão abatidos para alimentarem um monte de mendigos bêbados, que se amontam á frente do quartel. Eu tenho que me livrar dessa merda.
Um oficial qualquer, passou e disse que podíamos comprar café ali na rua. Toquei os bolsos, tentando lembrar se havia trazido dinheiro. - Ah!! que alívio!! pensei. Fui e comprei um copinho de café que custava um real. E voltei pro frio de novo. O café mau confortou um pouco e o frio já retomou avassalador.
Um oficial venho e chamou dez nomes (de novo) para esperar ali fora. O meu foi o último. -Finalmente!! - minhas entranhas urraram.
O sol estava parecendo a coberta mais quente em que eu houvesse deitado. Caminhamos à dentro das instalações do exército. Entramos em uma sala que era dividida em duas partes, por um desses biombos usados em hospitais. O ambiente estava confortabilíssimo, mas a idéia de ficar pelado já assolava minha mente. Houve um rápido (e idiota) exame de visão. Levaram-nos para a outra parte da sala e ficamos enfileirados lateralmente de frente para uma mesa onde estavam dois oficiais sentados e um outro e mais uma
mulher de pé. No chão, um rádio rolava um Ramones ( que irônico) I wanna be sedated... a mulher prontamente se endireitou no início da fila e começou á examinar um á um a boca escrota e bafenta dos recrutas. - Pelo menos a mulher é gostosa. Pensei e ri pra mim mesmo. - Que lugar inútil...
Depois de examinado todos, ela saiu e veio o médico já mandando ficarmos pelados. É nestes momentos, que a gente se pergunta se vale a pena viver nessa porra de lugar, com regras insanas e sem sentido...viver para isso...
Para o "abate" tudo é medido, peso, altura, pé, cabeça, força...e logo anotam tudo no crachazinho pendurado no pescoço...
Foi um chá de banco atrás do outro depois dos exames, fizemos uma provinha escrota e sem sentido para ver se não éramos retardados, penso eu, ou se estávamos contaminados com a VACA-LOUCA. Terminada a prova, nos levaram de volta para o galpão... e tudo de novo...bancos duros que deixam as costas doendo, paciência esgotada, abstinência de nicotina, frio em dobro (pois nos deixarram na rua), etc...
Os cabelos se sentiram aliviados com o fulgor de vento e calor do pouco sol que se pendurava no céu, aliviados com a liberdade afora de um rabicó. As mãos já não tremiam. Os pulmões bombeavam fortemente uma nicotina seca e suave de uma carteira de cigarro recém comprada. As pernas clamavam em passadas largas e rápidas. O cérebro, já aliviado, doía após seis horas de espera no quartel. Fervilhavam os pensamentos. A barriga, vazia, doía de tanto frio, calafrio e fome. - O que será de minha vida agora? Balbuciei num leve susurro. - Não sei. Respondi a mim mesmo. Caminhei, em passadas rápidas, do quartel até minha casa, meu refúgio, minha morada. Almocei e me encaminhei para mais uma tarde de trabalho...
Nada contra à quem, "opcionalmente", ocupam os nossos múltiplos exércitos espalhados por esse país. Tem pessoas que nascem para isso. Pessoas que tem no coração um patriotismo inabalável, que investem em uma carreira de pura "ordem e progresso". Pessoas que nascem para estarem preparados à lutarem contra a primeira nação que tiver atrapalhando os desejos pútridos do governo. Pessoas que nascem para cumprirem ordens de um fulano qualquer que possui no braço a braçadeira de "eu sou superior" e na cabeça o kepe de "eu ganho milhares de reais". Cada um com a sua escolha de vida, cada um com suas metas.
Mais parece que, neste país, vive-se ainda um certo fulgor medieval, as mentes deste país sofrem uma lavagem nostálgica super poderosa. Não é possível que um país onde se preza um dos conceitos mais esperançados pelo homem, LIBERDADE, nós, jovens de 18 anos, sejamos obrigados a cumprir um dever, que ao meu ver, nunca existiu. Me desculpem, mais ficar um ano aprendendo como matar o próximo de uma forma mais eficiente, como destruir uma casa em poucos segundos, como arrancar de uma mulher e filho o marido dedicado (por mais crimes que tenha praticado), não é comigo. Não sou um homem de armas mortais e nem espero "defender a nação"com elas, só acho que existem outros tipos de armas, como as morais, ações em benefício de um povo que luta para não sucumbir aá beira do Caos que vive este país. Acho que o Jovem brasileiro tem muito mais á se preocupar neste país do que perder seu tempo dentro de um excército sendo obrigado à fazer coisas que não quer, servindo de escravo para humilhações e maluquices de oficiais de alta patente...esta é a minha visão desta droga que é isto tudo. Estou disposto a qualquer coisa para não servir...

Quando puder posto de novo. FORÇA
Thiago

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